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sábado, 31 de outubro de 2009

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

MOTIVOS (EU CANTO) -Fagner -


"Motivos" (Eu Canto) - Fagner

Música de Raimundo Fagner para o poema "Motivos", de Cecília Meireles. Álbum "Eu Canto", 1978.


"Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste :
sou poeta.

Irmão das coisas fugidias,
Não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.

Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
– não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno e asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
– mais nada."


Cecília Meireles

CARTOON

CHARGE

CORRE...


Corre aos meus pés o rio.
As árvores revelam-se.
E em toda a parte há flores.
Como elas deixei vir
As horas ter comigo,
Sem sono, nem desvelo,
E deixando a natureza
Tornar-me em meu sonho.
.
O silêncio é dos deuses.
Passam nossas palavras,
Morrendo no ar o seu eco.
Quem nos ouvir esquece.
Só a calma e calada
Admiração das cousas,
Por nunca ter querido
Ser qualquer cousa, é tudo.
.

Fernando Pessoa

QUANDO PEQUENA...


"Quando pequena eu rodava,
rodava e rodava em torno de mim mesma até ficar tonta e cair.
Cair não era bom mas a tonteira era deliciosa.
Ficar tonta era o meu vício.
Adulta eu rodo mas quando fico tonta
aproveito de seus poucos instantes para voar."


Clarice Lispector

CHARGE

JOGO DA VERDADE



.
A verdade é um labirinto.
Se digo a verdade inteira,
se digo tudo o que penso,
se digo com todas as letras,
com todos os pingos nos is,
seria um deus-nos-acuda,
entraria um sudoeste
pela janela da sala.
Então eu digo
a verdade possível,
e o resto guardo
a sete chaves
no meu cofre de silêncios.

.
Roseana Murray

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

THE MACHINE

THE MACHINE from Bent Image Lab on Vimeo.

CONTO DE FADAS


Conto de Fadas

Eu trago-te nas mãos o esquecimento
Das horas más que tens vivido, Amor!
E para as tuas chagas o ungüento
Como que sarei a minha própria dor.

Trago no nome as letras duma flor...
Foi dos meus olhos garços que um pintor
Tirou a luz para pintar o vento...

Dou-te o que tenho: o astro que dormita,
O manto dos crepúsculos da tarde,
O sol que é de oiro, a onda que palpita.

Dou-te, comigo, o mundo que Deus fez!
- Eu sou Aquela de quem tens saudade,
A princesa do conto: "Era uma vez..."


Florbela Espanca

DESPEDIDA


Despedida

Adeus,
que é tempo de marear!

Por que procuram pelos olhos meus
rastros de choro,
direções de olhar?

Quem fala em praias de cristal e de ouro,
abrindo estrelas nos aléns do mar?
Quem pensa num desembarcadouro?
- É hora, apenas, de marear.

Quem chama o sol? Mas quem procura o vento?
e âncora? e bússola? e rumo e lugar?
Quem levanta do esquecimento
esses fantasmas de perguntar?

Lenço de adeuses já perdi...Por onde?
- na terra, andando, e só de tanto andar...
Não faz mal. Que ninguém responde
a um lenço movido no ar...

Perdi meu lenço e meu passaporte
- senhas inúteis de ir e chegar.
Quem lembra a fala da ausência
num mundo sem correspondência?

Viajante da sorte na barca da sorte,
sem vida nem morte...

Adeus,
que é tempo de marear!


Cecília Meireles

CHARGE

NÃO ME SINTO MUDAR


Não Me Sinto Mudar

Não me sinto mudar. Ontem eu era o mesmo.
O tempo passa lento sobre os meus entusiasmos
cada dia mais raros são os meus cepticismos,
nunca fui vítima sequer de um pequeno orgasmo

mental que derrubasse a canção dos meus dias
que rompesse as minhas dúvidas que apagasse o meu nome.
Não mudei. É um pouco mais de melancolia,
um pouco de tédio que me deram os homens.

Não mudei. Não mudo. O meu pai está muito velho.

As roseiras florescem, as mulheres partem
cada dia há mais meninas para cada conselho
para cada cansaço para cada bondade.

Por isso continuo o mesmo. Nas sepulturas antigas
os vermes raivosos desfazem a dor,
todos os homens pedem de mais para amanhã
eu não peço nada nem um pouco de mundo.

Mas num dia amargo, num dia distante
sentirei a raiva de não estender as mãos
de não erguer as asas da renovação.

Será talvez um pouco mais de melancolia
mas na certeza da crise tardia
farei uma primavera para o meu coração.


Pablo Neruda

A VULGAR QUE PASSOU



A Vulgar Que Passou

Não eras para os meus sonhos, não eras para a minha vida,
nem para os meus cansaços perfumados de rosas,
nem para a impotência da minha raiva suicida,
não eras a bela e doce, a bela e dolorosa.

Não eras para os meus sonhos, não eras para os meus cantos,
não eras para o prestígio dos meus amargos prantos,
não eras para a minha vida nem para a minha dor,
não eras o fugitivo de todos os meus encantos.
Não merecias nada. Nem o meu áspero desencanto
nem sequer o lume que pressentiu o Amor.

Bem feito, é muito bem feito que tenhas passado em vão
que a minha vida não se tenha submetido ao teu olhar,
que aos antigos prantos se não tenha juntado
a amargura dolente de um estéril chorar.

Tu eras para o imbecil que te quisesse um pouco.
(Oh! meus sonhos doces, oh meus sonhos loucos!)
Tu eras para um imbecil, para um qualquer
que não tivesse nada dos meus sonhos, nada,
mas que te daria o prazer animal
o curto e bruto gozo do espasmo final.

Não eras para os meus sonhos, não eras para a minha vida
nem para os meus quebrantos nem para a minha dor,
não eras para os prantos das minhas duras feridas,
não eras para os meus braços, nem para a minha canção.


Pablo Neruda

terça-feira, 27 de outubro de 2009

DISPERSÃO


Dispersão

Perdi-me dentro de mim
Porque eu era labirinto,
E hoje, quando me sinto,
É com saudades de mim.

Passei pela minha vida
Um astro doido a sonhar.
Na ânsia de ultrapassar,
Nem dei pela minha vida...

Para mim é sempre ontem,
Não tenho amanhã nem hoje:
O tempo que aos outros foge
Cai sobre mim feito ontem.

(O Domingo de Paris
Lembra-me o desaparecido
Que sentia comovido
Os Domingos de Paris:

Porque um domingo é família,
É bem-estar, é singeleza,
E os que olham a beleza
Não têm bem-estar nem família).

O pobre moço das ânsias...
Tu, sim, tu eras alguém!
E foi por isso também
Que te abismaste nas ânsias.

A grande ave doirada
Bateu asas para os céus,
Mas fechou-as saciada
Ao ver que ganhava os céus.

Como se chora um amante,
Assim me choro a mim mesmo:
Eu fui amante inconstante
Que se traiu a si mesmo.

Não sinto o espaço que encerro
Nem as linhas que projecto:
Se me olho a um espelho, erro -
Não me acho no que projecto.

Regresso dentro de mim
Mas nada me fala, nada!
Tenho a alma amortalhada,
Sequinha, dentro de mim.

Não perdi a minha alma,
Fiquei com ela, perdida.
Assim eu choro, da vida,
A morte da minha alma.

Saudosamente recordo
Uma gentil companheira
Que na minha vida inteira
Eu nunca vi... mas recordo.

A sua boca doirada
E o seu corpo esmaecido,
Em um hálito perdido
Que vem na tarde doirada.

(As minhas grandes saudades
São do que nunca enlacei.
Ai, como eu tenho saudades
Dos sonhos que não sonhei!...)

E sinto que a minha morte -
Minha dispersão total -
Existe lá longe, ao norte,
Numa grande capital.

Vejo o meu último dia
Pintado em rolos de fumo,
E todo azul-de-agonia
Em sombra e além me sumo.

Ternura feita saudade,
Eu beijo as minhas mãos brancas...
Sou amor e piedade
Em face dessas mãos brancas...

Tristes mãos longas e lindas
Que eram feitas p'ra se dar...
Ninguém mas quis apertar...
Tristes mãos longas e lindas...

Eu tenho pena de mim,
Pobre menino ideal...
Que me faltou afinal?
Um elo? Um rastro?... Ai de mim!...

Desceu-me n'alma o crepúsculo;
Eu fui alguém que passou.
Serei, mas já não me sou;
Não vivo, durmo o crepúsculo.

Álcool dum sono outonal
Me penetrou vagamente
A difundir-me dormente
Em uma bruma outonal.

Perdi a morte e a vida,
E, louco, não enlouqueço...
A hora foge vivida
Eu sigo-a, mas permaneço...

.......................................
Castelos desmantelados,
Leões alados sem juba...
.......................................

Mário de Sá Carneiro

CHARGE

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

ELVISMANIA








GUERRA


Guerra

Tanto é o sangue
que os rios desistem de seu ritmo,
e o oceano delira
e rejeita as espumas vermelhas.

Tanto é o sangue
que até a lua se levanta horrível,
e erra nos lugares serenos,
sonâmbula de auréolas rubras,
com o fogo do inferno em suas madeixas.

Tanta é a morte
que nem os rostos se conhecem, lado a lado,
e os pedaços de corpo estão por ali como tábuas sem uso.

Oh, os dedos com alianças perdidos na lama...
Os olhos que já não pestanejam com a poeira...
As bocas de recados perdidos...
O coração dado aos vermes, dentro dos densos uniformes...

Tanta é a morte
que só as almas formariam colunas,
as almas desprendidas... — e alcançariam as estrelas.

E as máquinas de entranhas abertas,
e os cadáveres ainda armados,
e a terra com suas flores ardendo,
e os rios espavoridos como tigres, com suas máculas,
e este mar desvairado de incêndios e náufragos,
e a lua alucinada de seu testemunho,
e nós e vós, imunes,
chorando, apenas, sobre fotografias,
— tudo é um natural armar e desarmar de andaimes
entre tempos vagarosos,
sonhando arquiteturas.


Cecília Meireles

domingo, 25 de outubro de 2009

ANA MOURA - O Que Foi Que Aconteceu

THE BEATLES - Free as a Bird Live








MARIANNE FAITHULL - Scarborough fair

DATA


Data

Tempo de solidão e de incerteza
Tempo de medo e tempo de traição
Tempo de injustiça e de vileza
Tempo de negação

Tempo de covardia e tempo de ira
Tempo de mascarada e de mentira
Tempo que mata quem o denuncia
Tempo de escravidão

Tempo dos coniventes sem cadastro
Tempo de silêncio e de mordaça
Tempo onde o sangue não tem rasto
Tempo de ameaça.


Sophia de Mello Breyner