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sábado, 16 de janeiro de 2010
quinta-feira, 14 de janeiro de 2010
EM MIM PRÓPRIO VIVO E MORTO

Eu mim próprio vivo e morto
eu riacho límpido e turvo
eu traço recto e curvo
eu arco direito e torto
eu carvão eu diamante
eu tanto ao alto tanto de traverso
eu tanto subtil e perverso
como cálido e terno amante
perdido sou estou perdido
achado não me acho nem encontro
lúcido cresço decresço tonto
e de sentir vou perdendo o sentido
eu navio ancorado de vela tensa
amainado arrais que em terra fica
sempre a largar e sempre sem partida
fugaz oásis na areia imensa
Henrique Ruivo
SERENATA

SERENATA
Dize-me Tu, montanha dura,
Onde nenhum rebanho pasce,
De que lado na terra escura
Brilha o nácar de sua face.
.
Dize-me tu, palmeira fina,
Onde nenhum pássaro canta,
Em que caverna submarina
Seu silêncio em corais descansa.
.
Dize-me tu, ó céu deserto,
Dize-me tu se é muito tarde,
Se a vida é longe e a dor é perto
E tudo é feito de acabar-se!
(Cecilia Meireles)
CANSADO DE CERTOS MOMENTOS

Foi-se tudo
como areia fina escoada pelos dedos.
Mãe! aqui me tens,
metade de mim,
sem saber que metade me pertence.
Aqui me tens,
de gestos saqueados,
onde resta a saudade de ti
e do teu mundo de medos.
Meus braços, vê-os, estão gastos
de pedir luz
e de roubar distâncias.
Meus braços
cruzados
em cruz de calvário dos meus degredos.
Ai que isto de correr pela vida,
dissipando a riqueza que me deste,
de levar em cada beijo
a pureza que pariste e embalaste,
ai, mãe, só um louco ou um Messias
estendendo a face de justo
para os homens cuspirem o fel das veias,
só um louco, ou um poeta ou um Cristo
poderá beijar as rosas que os espinhos sangram
e, embora rasgado, beber o perfume
e continuar cantando.
Mãe! tu nunca previste
as geadas e os bichos
roendo os campos adubados
e o vizinho largando a fúria dos rebanhos
pela flor menina dos meus prados.
E assim, geraste-me despido
como as ervas,
e não olhaste os pegos nem as cobras,
verdes, viscosas, espreitando dos nichos.
De mão nua, entregaste-me ao destino.
Os anjos ficaram lá em cima, cobardes, ansiosos.
E sem elmos ou gibões,
nem lutei nem vivi:
fiquei quieto, absorto, em lágrimas
— e lá ao fundo esperavam-me valados
e chacais rancorosos.
Mãe! aqui me tens,
restos de mim.
Guarda-me contigo agora,
que és tu a minha justiça e o exílio
do perdido e do achado.
Guarda-me contigo agora
e adormece-me as feridas
com as guitarras do fado.
Mas caberá no teu regaço
o fantasma do perdido?
Fernando Namora, in "Mar de Sa
DESEPERO

Desespero
Não eram meus os olhos que te olharam
Nem este corpo exausto que despi
Nem os lábios sedentos que poisaram
No mais secreto do que existe em ti.
Não eram meus os dedos que tocaram
Tua falsa beleza, em que não vi
Mais que os vícios que um dia me geraram
E me perseguem desde que nasci.
Não fui eu que te quis. E não sou eu
Que hoje te aspiro e embalo e gemo e canto,
Possesso desta raiva que me deu
A grande solidão que de ti espero.
A voz com que te chamo é o desencanto
E o espermen que te dou, o desespero.
.
José Carlos Ary dos Santos
terça-feira, 12 de janeiro de 2010
segunda-feira, 11 de janeiro de 2010
SINCERO

Sincero
Instigar o que é convencional
É acreditar e alar o sonho régio
Agir com a prática passional
Tomar a vida como privilégio
Declamar a poesia com um gesto
Abraçar a quimera e soprar vida
Declarar a alegria em manifesto
Publicar a saudade na despedida
O amor que sinto caminha pelo chão
Reclamo até nos telhados a tua falta
Acalme sem demora o meu coração
Teu brilho avassala o peito trancado
Teu sabor é suave como um néctar
Achega-me esse teu corpo dourado.
(James Assaf)
domingo, 10 de janeiro de 2010
SER MULHER

Ser mulher
Ser mulher, vir à luz trazendo a alma talhada
para os gozos da vida; a liberdade e o amor;
tentar da glória a etérea e altívola escalada,
na eterna aspiração de um sonho superior...
Ser mulher, desejar outra alma pura e alada
para poder, com ela, o infinito transpor;
sentir a vida triste, insípida, isolada,
buscar um companheiro e encontrar um senhor...
Ser mulher, calcular todo o infinito curto
para a larga expansão do desejado surto,
no ascenso espiritual aos perfeitos ideais...
Ser mulher, e, oh! atroz, tantálica tristeza!
ficar na vida qual uma águia inerte, presa
nos pesados grilhões dos preceitos sociais!
Gilka Machado
A ARTE O MUNDO CRIA

E à Arte o Mundo Cria
Seguro Assento na coluna firme
Dos versos em que fico,
Nem temo o influxo inúmero futuro
Dos tempos e do olvido;
Que a mente, quando, fixa, em si contempla
Os reflexos do mundo,
Deles se plasma torna, e à arte o mundo
Cria, que não a mente.
Assim na placa o externo instante grava
Seu ser, durando nela.
Ricardo Reis, in "Odes"
Heterónimo de Fernando Pessoa
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