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sábado, 30 de outubro de 2010

VÉSPER....



A noite faz-se bela e iluminada.
Vésper brilhante, a confidente amiga
Surgiu no azul, estrela abençoada
Cujo fulgor os corações abriga!

E, da tela infinita a luz dourada,
Essa luz que consola e que mitiga
A saudade, o pesar, a dor antiga
No eflúvio do céu carícia amada.

Desperta dentro em mim viva lembrança
De ventura que foge e não se alcança,
Por que no mundo é tudo falso e vão

E enquanto pelo céu Vésper fulgura,
Sinto envolver-me a treva da amargura
A noite sem estrela e sem clarão.

Francisca Clotilde. A Estrella, dez de 1915

PERTO OU LONGE


Tua pele macia, teu sorriso,
Conferem-te inocência que não tens;
Perfume tentador, vestido liso,
Seduzem alma e olhos meus, reféns.

Falar da voz de anjo, nem preciso;
Conquista-me o teu corpo. Quando vens,
Torna-se o mundo inteiro um paraíso;
São o amor e a alegria os nossos bens.

Quando voltas, porém, prá tua terra,
Tanta saudade encerra o coração,
Que a solidão meu peito nem comporta.

Se, em não te ter, razão tal dor enterra,
Irei, sei que o motivo não importa,
Perto ou longe, morrer desta paixão.
Bernardo Trancoso

TRANSMIGRAÇÃO


Deixei a realidade pelo sonho.
Hoje meu sonho é minha felicidade.
Na realidade o fado era tristonho,
No sonho é que senti felicidade.

O mundo era pequeno, era bisonho,
Repleto de tortura e de maldade
Minhas belezas de arte já não ponho
Onde não cabe tal preciosidade.

Tenho outro mundo que é o da fantasia,
E outro clima de amor e de harmonia,
Longe, bem longe da fatalidade.

Com razões que a razão jamais teria,
Meu código na vida é a poesia,
E o sonho minha única verdade!

Antonieta Borges Alves
In Lírios de Pedra

MAYSA - Don't Say Goodnight -

KINGFISHER SKY

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Esta Vida Não Vivi


Será que na vida não vive
Quem na vida já viveu?
Ou será que terá vida
Quem nesta vida sofreu?
Eu que morri e que vivo
Dentro do mundo que passou,
Nos versos que não morrerão
Após rasgar a vida
Irão lembrar quem chorou
E esta vida não viveu.


Rogério Martins Simões

A Dor Da Ausência


Tenho um coração
que suporta
tantos tipos de dor...

Só não consegue
suportar a dor
que a tua ausência
causa.

Nesses momentos
ele não resiste...
sangra...chora...


Regina Azenha

A Bela de Amherst


Ela varre com vassouras multicores
E sai espalhando fiapos,
Ó Dona arrumadeira do crepúsculo,
Volta atrás e espana os lagos:

Deixaste cair novelo de púrpura,
E acolá um fio de âmbar,
Agora, vejam, alastras todo o leste
Com estes trapos de esmeralda!

Inda a brandir vassouras coloridas,
Inda a esvoaçar aventais,
Até que as piaçabas viram estrelas —
E eu me vou, não olho mais.


Emily Dickinson
Tradução: Aíla de Oliveira Gomes

Orfeu Do Avesso


De pé sobre o abismo
e não morri:

Canto gregoriano
muito limpo
não me chegou:
o fim
Catedral
sobre o risco,
sobre um azul tão grande
que afundar-me podia
Ao fundo do mais fundo
mergulhei
e não morri:
amei.


Ana Luísa Amaral

THE CORRS - Only When I Sleep -

LISA ONO - I Wish You Love -

JONH MAYER - Bold As Love -

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

EU AMO O GÊNIO


Eu amo o gênio, cujo raio esplêndido
Tirou-me o pranto no pungir da dor;
Há sempre um gozo no correr das lágrimas,
Há sempre um riso no murchar da flor…

Vê-se no templo se elevar o incenso
Puro, expressivo que se queima aí;
E Deus aspira o matinal perfume
D’etéreas flores que espalhou em ti…

Quando, sublime de sofrer, um’alma
Rompe dos prantos o sombrio véu,
São glórias tuas, virginais desmaios,
Quedas de rosas nos jardins do céu.

E quem não sente clarear o sonho,
A ideia santa dum viver melhor?
E as harmonias dum amor que torna
A fronte altiva, o coração maior?

Na voz dos mares, na expressão dos ventos
Há um mistério de fazer pensar…
Nas forças d’alma, no poder do gênio
Há um segredo que me faz chorar…


Tobias Barreto (1839-1889)

POEMA DE TU FU A LI PO


Tu escreves como o pássaro canta. Teu gorjeio? Versos.
Se não cantasses, as manhãs seriam menos vermelhas e
os crepúsculos menos azuis.

Quando a embriaguez te inspira, os Imortais inclinam-
se das nuvens para te escutarem, o tempo suspende seu
vôo, o bem-amado esquece a bem-amada.

Tu és o Sol e nós, os outros poetas, somos apenas estrelas.

Acolhe, ó meu amigo, o balbucio do meu respeito!

Tu fu

EU SEI, NÃO TE CONHEÇO MAS EXISTES


Eu sei, não te conheço mas existes.
por isso os deuses não existem,
a solidão não existe
e apenas me dói a tua ausência
como uma fogueira
ou um grito.

Não me perguntes como mas ainda me lembro
quando no outono cresceram no teu peito
duas alegres laranjas que eu apertei nas minhas mãos
e perfumaram depois a minha boca.

Eu sei, não digas, deixa-me inventar-te.
não é um sonho, juro, são apenas as minhas mãos
sobre a tua nudez
como uma sombra no deserto.
É apenas este rio que me percorre há muito e desagua em ti,
Porque tu és o mar que acolhe os meus destroços.
É apenas uma tristeza inadiável, uma outra maneira de habitares
Em todas as palavras do meu canto.

Tenho construído o teu nome com todas as coisas.
tenho feito amor de muitas maneiras,
docemente,
lentamente
desesperadamente
à tua procura, sempre à tua procura
até me dar conta que estás em mim,
que em mim devo procurar-te,
e tu apenas existes porque eu existo
e eu não estou só contigo
mas é contigo que eu quero ficar só
porque é a ti,
a ti que eu amo.


Joaquim Pessoa

CHET ATKINS - Sweet Dreams -

SPANDAU BALLET -True -

MORE THAN WORDS - Extreme -

terça-feira, 26 de outubro de 2010

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

SOLIDÃO E SILÊNCIO


Solidão e silêncio
permitem o encontro
que espelha,
no chão do meu rosto,
o Tempo,
o lamento das perdas,
o afago das mãos
que amarram,
presente e passado
em único cesto.

Solidão e silêncio
afligem o vento
que enreda
o vão do meu corpo.

O vento, o alento dos versos,
a alvorada das horas:
presente e futuro
em perene segundo texto.


Jairo De Britto,

OS LIVROS DA MINHA INFÂNCIA


As marcas sépias do tempo
nos livros da minha infância
são como luzes que se perdem
na distância do navio que se liberta do cais

Os livros da minha infância
guardam sonhos de terras distantes,
de cavaleiros andantes
e poetas, jograis, cancioneiros,
de princesas e marinheiros
das barcas vicentinas
que dobravam bojadores,
e frades de negras batinas.

As marcas sépias do tempo
nos livros da minha infância
são o espelho das rugas
que desenham no meu rosto
os caminhos que percorri
desde que os li,

os livros da minha infância.


Jorge Santiago

AMOR


Amemos! Quero de amor
Viver no teu coração!
Sofrer e amar essa dor
Que desmaia de paixão!
Na tu'alma, em teus encantos
E na tua palidez
E nos teus ardentes prantos
Suspirar de languidez!
Quero em teus lábio beber
Os teus amores do céu,
Quero em teu seio morrer
No enlevo do seio teu!
Quero viver d'esperança,
Quero tremer e sentir!
Na tua cheirosa trança
Quero sonhar e dormir!
Vem, anjo, minha donzela,
Minha'alma, meu coração!
Que noite, que noite bela!
Como é doce a viração!
E entre os suspiros do vento
Da noite ao mole frescor,
Quero viver um momento,
Morrer contigo de amor!

Alvares de Azevedo

BEM-TE-VI



Todas as tardes, sempre à mesma hora,
vem visitar-me um passarinho amigo...
Canta cantigas que eu cantava outrora,
canta coisas que eu sinto, mas não digo.

De onde ele vem, não sei; nem onde mora;
se lembranças me traz, guarda-as consigo.
Sinto, no entanto, quando vai-se embora,
que a minha alma não quer ficar comigo.

Hoje tardou... Há chuva nos caminhos,
mas chuva não faz mal aos passarinhos
e ele há de vir, a tarde festejando...

Lá vem ele, ligeiro como um sonho...
Canta coisas tão minhas, que eu suponho
ser o meu coração que vem cantando.

Palmira Wanderley

GEORGE MOUSTAKI





CLAPTON

CHICAGO - Hard To Say I'm Sorry -

domingo, 24 de outubro de 2010

DA MINHA JANELA


Mar alto! Ondas quebradas e vencidas
Num soluçar aflito, murmurado...
Vôo de gaivotas, leve, imaculado,
Como neves nos píncaros nascidas!

Sol! Ave a tombar, asas já feridas,
Batendo ainda num arfar pausado...
Ó meu doce poente torturado
Rezo-te em mim, chorando, mãos erguidas!

Meu verso de Samain cheio de graça,
Inda não és clarão já és luar
Como um branco lilás que se desfaça!

Amor! Teu coração traga-o no peito...
Pulsa dentro de mim como este mar
Num beijo eterno, assim, nunca desfeito!...

Florbela Espanca

RÚSTICA


Eu q'ria ser camponesa;
Ir esperar-te à tardinha
Quando é doce a Natureza
No silêncio da devesa,
E só voltar à noitinha...

Levar o cântaro à fonte
Deixá-lo devagarinho,
E correndo pela ponte
Que fica detrás do monte
Ir encontrar-te sozinho...

E depois quando o luar
Andasse pelas estradas,
D'olhos cheios do teu olhar
Eu voltaria a sonhar,
P'los caminhos de mãos dadas.

E depois se toda a gente
Perguntasse: "Que encarnada,
Rapariga! Estás doente?"
Eu diria: "É do poente,
Que assim me fez encarnada!"

E fitando ao longe a ponte,
Com meu olhar cheio do teu,
Diria a sorrir pro monte:
"O cant'ro ficou na fonte
Mas os beijos trouxe-os eu...

Florbela Espanca

RORY GALLAGHER