Participante ativo da Semana de Arte Moderna de 1922. Viveu seus 96 anos intensamente.

HUMILDE SÚPLICA
Eu pederia,Senhor, um crepúsculo tranquilo.
Que delícia não ter mais nada que arrancar
à alma perder o tato para a carícia
e na boca neutra sentir inapetência
por todos os vinhos.
Eu já disse adeus a muitas coisas
mas de outras inda custa despedir-me.
Senhor, dai-me a ventura de ver descer a noite
sem me importar com as estrelas.
O tempo me dissolveu nas horas
e a treva e o silêncio já estão cheios de mim.
Nada me falta. Tenho tudo que já tive.
Deixai-me agora quieto
ouvindo com volúpia
um murcho cair de pétalas
de uma roseira que não dará mais rosas.
NIRVANA
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Quisera ficar a teu lado
No grande êxtase pacífico
do nosso silêncio.
Continuar indefinidamente
o diálogo mudo dos nossos olhos.
Quisera
diluir-me em ti como um aroma no vento
como dois rios que fundem suas águas
no abraço do mesmo leito
e correm para o mesmo destino...
Somos duas árvores solitárias
que entrelaçam suas ramas:
à mesma brisa estremecem
florescem
envelhecem
e morrem...
QUE SABES DO FIM?

Goza a euforia do anjo perdido em ti.
Não indague se nossas estradas,
tempo e vento, desabam no abismo.
Que sabes tu do fim?
Se temes que teu mistério seja uma noite,
enche-o de estrelas...
No deslumbramento da ascensão,
se pressentires que amanhã estarás mudo,
esgota como um pássaro, as canções que tens na garganta.
Canta, canta...
Talvez as canções adormeçam as feras
que esperam devorar o pássaro.
Desde que nasceste não és mais que um vôo,
no tempo, rumo ao céu?
Que importa a rota!
Voa e canta enquanto resistirem as asas...
POESIA É OURO

Onde está a poesia?
Na imaginação do garimpeiro
ainda oculta na pepita lasca de luz na quina da pedra bruta.
Ouro é ouro
mineral na terra, puro. Fundido
não degradado no amálgama embora sofisticado
em molde e moda
no brinco barroco na cintilação do dente
no céu de esmalte de uma boca jovem
concha aberta num sorriso.
Poesia é ouro
carregada de história no cunho da moeda antiga
mística na âmbula, sagrada no romance
do anel nupcial amor alegria sofrimento vida.
Não importa forma ou fôrma não importa o lugar
não importa
se jovem é o ourives ou velho o garimpeiro.
O que vale é a incontaminada essência.
Menotti del Picchia
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