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sábado, 31 de julho de 2010

A NOITE RIMADA


Pela serra ao luar
ia um menino sozinho
sem sono pra se deitar.

Ia o menino a pensar
porque seria ele só
sem sono pra se deitar.

Ia o menino a pensar
que há tanto por pensar
e a cidade a descansar

Ia o menino a pensar
porque seria ele só
sem sono pra se deitar.

Quem dorme sem ter pensado
deve ter sono emprestado
não é sono bem ganhado.

Ia o menino a pensar
como poder arranjar
muita força pra pensar

Ia o menino a arranjar
muita força pra pensar
o próprio sonho ganhar


Almada Negreiro

LISBOA DEBAIXO DA TERRA - Parte I -

LISBOA DEBAIXO DA TERRA - O Aqueduto das Águas Livres -


LISBOA DEBAIXO DA TERRA - A Sé de Lisboa -


LISBOA DEBAIXO DA TERRA - As Galerias da Rua da Prata -


Sugestão:ANDRADARTE

sexta-feira, 30 de julho de 2010

ASTRID CABRAL FÉLIX DE SOUSA



Astrid Cabral Félix de Souza, poetisa e contista, nasceu em Manaus, no dia 25 de setembro de 1936. Realizou seus estudos superiores na Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde concluiu o curso de Letras Neolatinas. Foi professora da Universidade de Brasília e oficial da chancelaria do Ministério das Relações Exteriores. Sua estréia literária aconteceu em 1963, com a publicação de seu único livro de contos: Alameda.É viúva do poeta Afonso Félix de Sousa.

BAINHA ABERTA



Crava em meu corpo essa espada crua.
Quero o ardor e o êxtase da luta
em que me rendo voluntária e nua.
Meu temor é a paz pós-união:
desenlace derrota solidão.


MÃOS



No deserto da insônia
a mão, triste, me acena
nua de anéis e luvas.
Dedos gesto de adeus
anunciam o abandono
da matéria efêmera.
Dos campos do sono
a mesma mão me chama
cintilante de estrelas.
Tento alçar-me da cama
no encalço do convite
mas a carne me amarra.
E enquanto o corpo dura
fico entre a dor da perda
e o desejo do encontro.


NO COLO DO ANJO



Empoleirado
na torre do meu sonho
um anjo resplandece.
Cílios cintilantes
estrelas nos olhos
ele me acena com plumas
e me abraça com asas.
Juntos vagamos
entre rastros de astros
a cavalgar nuvens
por planícies etéreas
até que me sinto serena.
É como se mudo dissera
não temas véus ou névoas
qualquer neblina passa.
Mas eis que então fala:
Não sejas cega, menina.
O olhar de Deus tudo abarca.
Só os homens têm pálpebras.


JOGO DE CASA



Sob telhas
centelhas fagulhas borralho
olhos d'água água na talha

Sob telhas
galhos alhos coalhos
molhos repolhos toalhas

Sob telhas
agulhas retalhos
malhas fitilhos ilhoses

Sob telhas
rodilhas presilhas
palmilhas sapatilhas

Sob telhas
mulheres abelhas
colheres talheres

Sob telhas
parelhas filhos filhas
espelhos ilhas

Sob telhas
armadilhas navalhas
batalhas partilhas mortalhas.



ENSAIANDO PARTIDAS



Cadeiras de balanço mastigavam os soalhos
ensaiando partidas, embalando fundas ânsias
contra bojos de navios trancados a âncoras.
Caolhos os rádios acendiam as mágicas pupilas
de gato e vozes espetrais sem apoio de bocas
e rostos chegavam, de que mundo, de que mapa?
Ventiladores giravam as corolas metálicas
no chão invertido dos tetos criando brisas
que não se aventuravam pelas ruas polidas
de sol nem ousavam soprar a fuga de velas.
Na praça São Sebastião galeras de bronze
destinavam-se a longínquos continentes mas
imóveis não singravam ondas de lusas pedras
deixavam-se estar molhadas tão só de chuvas
proas frustradas de horizontes e azuis.
Que estranha calmaria as conjurara, quilhas
vacinadas contra a vertigem dos ventos?
Ou estariam desde sempre fundeadas nas
invisíveis correntes d’água dos séculos?
Dobravam os sinos abafando os frenéticos
pianos a planger nos salões dos sobrados
mas o que sempre se ouvia, pouco importa
se baixo e rouco, era o gargarejar do rio
a vocação de foz e mar drenando fragmentos
de terra, arrastando de roldão os corações.


BICHO-DE-SETE-CABEÇAS



À medida que envelheço
as sete cabeças do bicho
corto. Enfim o reconheço
íntimo de mim, meu próximo.

À medida que envelheço
conquisto-lhe o segredo.
Vejo a morte iniciação
à viagem pelo avesso.

À medida que envelheço
digo: o bicho é meu amigo.
Não, não há porque maldar
envenenando o sossego.

À medida que envelheço
sinto-me remanescente
num deserto onde tropeço
por entre sombras de ausentes.

À medida que envelheço
aprendo a perder o medo.
Todo bicho fica meigo.
E só botar no colo.


Astrid Cabral Félix de Sousa

RODRIGO LEÃO - This Light Holds So Many Colours -

DEOLINDA

MOVIMENTO PERPÉTUO ASSOCIATIVO
MAL POR MAL

FRANCISCO TARREGA - Capricho Árabe -

SEGOVIA - Interpreta Villa Lobos -

quinta-feira, 29 de julho de 2010

ADONIRAN BARBOSA - Bom Dia Tristeza -


Bom dia, tristeza

Bom dia, tristeza
Que tarde, tristeza
Você veio hoje me ver
Já estava ficando
Até meio triste
De estar tanto tempo
Longe de você

Se chegue, tristeza
Se sente comigo
Aqui, nesta mesa de bar
Beba do meu copo
Me dê o seu ombro
Que é para eu chorar
Chorar de tristeza
Tristeza de amar


Vinicius de Moraes e Adoniran Barbosa

BANALIDADE


Vou cavar uma tumba
coser uma cruz de madeira
semear um punhado de flores

Para aquele cachorro vadio atropelado na rua

Que eu perdi a força
para abrir covas
aos homens mortos que semeiam a cidade e os campos.


Ruy Guerra

DUETO


O perfume de tuas mãos
estão nas minhas
o sorriso dos teus olhos
estão nos meus
a leveza do teu andar
ondula a música da minha espera!

E o vestígio de teu encanto
modula a canção do meu destino!


Luiz José Maia
In As Quatro Faces do Homem

VERDES SÃO OS TEUS OLHOS


Paisagem de serenidade
refúgio da solidão
verdes são os campos
paixão que mora em mim
refugiada em meu peito
perene de saudade...
Verdes são os teus olhos
olhar de esperança
refletem o teu sentir
acalmam o meu viver
fazem-me sorrir...
Verdes são os mares
de marés ondulantes
onde afogo saudades
lembrando o passado
de quimeras distantes...


Manuel Marques

HUMOR

A BORBOLETA


Filha da larva que o Inverno hostil
Gelou numa dureza concentrada
Ao aquecer do flavo Sol d’Abril
Surgiu de forma leve e curva alada.

Íris que voa, aspiração subtil
Da flor que quis ser ave, e transformada
Libra no ar a pétala gentil,
Asa da cor, paleta iridiada,

Poisa tão breve que se um sopro a agita
Ergue-se a bambolina num fulgor...
Aflora os lábios duma margarita.

Abrindo manchas, vai de flor em flor,
Flutua, anseia, embala-se e palpita...
Como um bailado trémulo da cor.

Jaime Cortesão

SUNSETS AND GUITARS

NARCISO YEPES


JESSE COOK - Azul -

quarta-feira, 28 de julho de 2010

KITARO - Caravan -

FALO DO AMOR...


"Falo do amor ao despertar, falo do amor quando sonho,
com as flores, com os campos, as fontes,
os ecos, o ar, os ventos,
e se não houver alguém que me escute,
falo deste amor comigo mesmo."


Wofgang Amadeus Mozart

MARCAS


Pés na areia,
coração no mar.
Minhas pisadas
vão marcando a praia.
Meu coração pisado
nem marcas
deixa
no mar.


Mila Ramos

CANTO CIGANO


Seus cabelos,
Balançavam com o vento.
Ela dançava,
Dançava de dia,
Dançava de tarde,
Dançava à noite.

À noite,
Enquanto os archotes brilhavam,
E punham nela muitos fulgores,
Ela sorria e sorria...

Para quem sorria?
Para ninguém.
Bastava, para ela,
Sorrir para si mesma.

Sorria...
Sufocando o pranto,
Que lhe inundava a alma.
Porque, se ela chorasse,
Todos choravam também.

ela tinha que sorrir,
Cantar,
Dançar.
Bailando,
Como baila o vento,
Cantando,
Como cantam as aves,
Só, tão só...

E, no entanto, dona absoluta,
De todos os olhares,
De todas as mentes,
Que estavam ali.
Cada um achando,
Que era para eles que ela sorria,
Quando, na verdade,
Ela não sorria para ninguém,
Ela sorria para si mesma.

O tempo passou...
E, no vento tão forte,
Que muda a vida,
Mudando as pessoas de lugar,
Daqui para acolá.
Um dia,
Ela deixou de dançar,
Mas não deixou de cantar.
Mesmo na solidão dos pinheiros gelados,
Fazia, com os rouxinóis,
Um dueto encantado.

O rouxinol cantava de tristeza,
Ela cantava de saudade,
De dor...

Por onde andará?
Como estará a terra dos meus amores?
Aonde estarão aqueles,
Que pisam, firme, o chão?
Aonde estará o meu povo?
Será que estão como eu...
Na solidão?

Canta, cigana,
Canta...
Deixa que o vento da vida te carregue,
Que a brisa te abrace
E que as folhas te teçam arpejos,
Nos ninhos dos pássaros.

A solidão nos faz
Aprender a viver,
Dentro de nós,
Num castelo encantado.

Onde se é possível,
Chorar sozinha
E rir, feliz,
Para todos os passantes,
Caminhantes,
Andantes de muitas terras,
De muitos sonhos,
De muitas estradas.

Deixa voar,
O seu sonho de paz,
Porque, um dia, você terá.

Não chore,
Não chore, cigana,
Cante.
Porque, mesmo sem cantar,
Você encanta.
E, Mesmo chorando,
Você sorri.

Deixa o tempo passar,
Deixa as folhas voar,
Voar...
Porque, um dia,
Paz você terá!


Cecília Meireles

JAN GARBAREK, EGBERTO GISMONTI E CHARLIE HADEN - Silence -


Willie Nelson - Rainbow Connection -
Santa Fe By Ottmar Liebert

Brasil Guitar Duo - Egberto Gismonti - Sete Aneis -

terça-feira, 27 de julho de 2010

NATÁLIA JUSKIEWICZ - Um Violino No Fado -

UM BREVE OLHAR


Lá em cima, no ar
Sobre a monotonia destas casas
Sulcando, sereníssimas, os céus,
Abrem a larga rima das suas asas,
Lenços brancos do azul, dizendo adeus
Ao vento e ao mar.

Eu fico a vê-las
E meus olhos, de as verem, vão partindo
E fugindo com elas;
E a segui-las eu penso,
Enquanto o olhar no azul se espraia e prega,
Que há uma graça, que há um sonho imenso
Em tudo o que flutua e que navega…

Para onde se desterram as gaivotas,
Contra o vento vogando, altas e belas,
Essas voantes e pairantes frotas,
Essas vivas e alvas caravelas?

Vão para longe… E lá desaparecem,
Ao largo, por detrás do monte;
E os nossos olhos olham e entristecem
Com as vagas saudades que merecem
As coisas que se somem no horizonte!


Afonso Lopes Vieira
In "Canção do Vento"

HORAS


Vieste buscar as horas
Que, quando ainda jovem,
Deixaste abandonadas
No pêndulo do relógio?

Elas trincaram a pele
Do reboco que escondia
A fraqueza das paredes
E a insolência do passado
E descoloriram a retina
Das cortinas que protegiam
A sala das vidraças, do sol
E dos maus olhados.

Leve-as contigo.
Guarde-as.

Guarde-as como quem guarda
O pão caseiro,
No forno do fogão
Cobertas por um pano de prato
Para que testemunhem a saciação
De quem as quer consumidas.

Guarde-as como quem guarda
A aliança de noivado,
Na caixinha de música,
Para que denunciem a subtração
De quem as quer furtadas.

Guarde-as.

Porque elas te encheram a vida de tempo
E lhe farão experimentar o fim.


Oswaldo Antônio Begiato

É ESTE O MEU POEMA OU É DE OUTRA?


É meu este poema ou é de outra?
Sou eu esta mulher que anda comigo
E renova a minha fala e ao meu ouvido
Se não fala de amor, logo se cala?

Sou eu que a mim mesma me persigo
Ou é a mulher e a rosa escondidas
(Para que seja eterno o meu castigo)
Lançam vozes na noite tão ouvidas?

Não sei. De quase tudo não sei nada.
O anjo que impulsiona o meu poema
Não sabe da minha vida descuidada.

A mulher não sou eu. E perturbada
A rosa em seu destino, eu a persigo
Em direção aos reinos que inventei.


Hilda Hilst

Ó TOCADORA DE HARPAS


Ó tocadora de harpa, se eu beijasse
Teu gesto, sem beijar as tuas mãos!
E, beijando-o, descesse p'los desvãos
Do sonho, até que enfim o encontrasse,

Tornado Puro Gesto, gesto-face
Da medalha sinistra _ reis cristãos
Ajoelhando, inimigos e irmãos,
Quando processional o andor passasse!...

Teu gesto que arrepanha e se extasia...
O teu gesto completo, a lua fria
Subindo, e em baixo, negros, os juncais...

Caverna em estalactites o teu gesto...
Não poder eu prendê-lo, fazer mais
Quero vê-lo e perdê-lo!... E o sonho é o resto.


Fernando Pessoa

NIGGA - Luna Dile -

BETWEEN THE TREES - The One Thing -

ROBERT LOCKWOOD Jr - I Got To Find me A Woman -

LYNYRD SKYNYR - Free Bird -

segunda-feira, 26 de julho de 2010

EU TE DESEJO UM SONHO


Desejos são coisas simples:

Andar de mãos dadas no meio da noite,
Fazê-la parecer nunca terminar
Enquanto estrelas travessas nos espiam
Remexendo com suas pontas ligeiras
Nossos corações distraídos;

Colher flores amarelas amadurecidas no campo,
Ataviar teus cabelos longos e leves
Enquanto o vento os toca com suavidade
Embalando nossas secretas
Vontades de perdição eterna...

Sonhos, porém, são mais complexos;
Eu por exemplo sonho te fazer feliz.

Viu como é complexo?


Oswaldo Antônio Begiato

(Des) ENTENDIMENTO


Para quê
entender
as mulheres
se podemos
viver com elas
sem as entender?
Calma
coração de psicólogo
a vida na verdade
nem sempre
necessita de análise,
é só seguir
os sentimentos.


Domi Chirongo

O TEMPO


Ela queria tanto,
Para poder esquecer
A cor cinza de sua nascença,
Ganhar de presente, no dia de seu aniversário,
A delicadeza de uma boneca de trapo.

Queria tanto, tanto,
Que acabou comprando,
Naquela tardinha, em que abandonada,
A chuva lhe caia copiosamente dentro d’alma,
Uma boneca fria de porcelana fina.

Pena que já era tarde.
Ela, agora, não tinha mais tempo para esquecimentos.
Não tinha mais tempo para delicadezas.


Oswaldo Antônio Begiato

ANTES SOUBESSE EU


Antes soubesse eu
o que fazer com estrelas na mão.
Se dilacerar-lhes a ponta
ou simplesmente não tocá-las.
Se estão perto cegam meus olhos
Se estão longe as desejo.

Antes soubesse eu
o que fazer com estrelas na mão.


Hilda Hilst

BIC RUNGA - If I had You -

JUANES - La Camisa Negra -

JUANES - Dia Lejano -

domingo, 25 de julho de 2010

GAIVOTA


Se uma gaivota viesse
trazer-me o céu de Lisboa
no desenho que fizesse,
nesse céu onde o olhar
é uma asa que não voa,
esmorece e cai no mar.
.
Que perfeito coração
no meu peito bateria,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde cabia
perfeito o meu coração.
.
Se um português marinheiro,
dos sete mares andarilho,
fosse quem sabe o primeiro
a contar-me o que inventasse,
se um olhar de novo brilho
no meu olhar se enlaçasse.
.
Que perfeito coração
no meu peito bateria,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde cabia
perfeito o meu coração.
.
Se ao dizer adeus à vida
aves todas do céu,
me dessem na despedida
o teu olhar derradeiro,
esse olhar que era só teu,
amor que foste o primeiro.
.
Que perfeito coração
no meu peito morreria,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde perfeito
bateu o meu coração.

.
Poema: Alexandre O’Neil

POEMA LAUDATÓRIO

Gregório de Matos escreveu também poemas laudatórios (de elogio), de circunstância (festas, homenagens, fatos corriqueiros). Um exemplo curioso é o poema cujo inicio transcrevemos, uma homenagem ao desembargador Belchior da Cunha Brochado:








O elemento lúdico (= de jogo) do Barroco é a marca predominante do texto. Cada par de versos tem em comum as terminações das palavras (ex.: 1ª palavra do 1º verso: douTO; 1ª palavra do 2ª verso: reTO), o que explica o estranho arranjo espacial do texto. A leitura deve ser feita como se se tratasse de versos comuns; assim sendo, os dois primeiros versos lêem-se:


Douto, prudente, nobre, humano, afável,

Reto, ciente, benigno e aprazível

CARMINA BURANA - O Fortuna -

SUBINDO


Subindo de encontro á torrente
Desbravo a alma do tempo
Trilhos da manhã
E de remada em remada
O passado perde terreno
Alagando o cais da amargura
Pedaços de ninguém ´
Declives acentuados
Lembrando as barcas que atracam.

.
by Jorge Pereira

PETER GABRIEL - Come Talk To Me -

LED ZEPPELIN - The Rain Song -

ANNA LEE - Dream Theater

DEAD CAN DANCE - Crescent -