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sábado, 7 de novembro de 2009

TIRINHA

ROMANCE DE D. PEDRO E D. INÊS




Era seu colo de neve
tocado daquela graça
do contorno mais breve
onde o conflito se enlaça.

Morta, em sua fronte uma constelação
era presságio de ritual macabro
duma coroação.

O que bebera em sua carne a claridade
que dos deuses escorre para a mais pura taça

partiu com mãos de tempestade
apressando com ira
e com desgraça
a fatalidade que os ungira.

E só parou quando mudo no espanto
onde o enlevo da morte se adivinha
O fim do mundo ficou esperando
aos pés da mais fantástica rainha.


(Natália Correia, 1971)

SEJA QUAL FOR...



"Seja qual fôr o caminho que eu escolher um poeta
já passou por ele antes de mim"

S. Freud

O MENINO QUE CARREGAVA ÁGUA NA PENEIRA


O menino que carregava água na peneira.

Tenho um livro sobre águas e meninos.
Gostei mais de um menino
que carregava água na peneira.

A mãe disse que carregar água na peneira
era o mesmo que roubar um vento e sair
correndo com ele para mostrar aos irmãos.

A mãe disse que era o mesmo que
catar espinhos na água
O mesmo que criar peixes no bolso.

O menino era ligado em despropósitos.
Quis montar os alicerces de uma casa sobre orvalhos.

A mãe reparou que o menino
gostava mais do vazio
do que do cheio.
Falava que os vazios são maiores
e até infinitos.

Com o tempo aquele menino
que era cismado e esquisito
porque gostava de carregar água na peneira

Com o tempo descobriu que escrever seria
o mesmo que carregar água na peneira.

No escrever o menino viu
que era capaz de ser
noviça, monge ou mendigo
ao mesmo tempo.

O menino aprendeu a usar as palavras.
Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.
E começou a fazer peraltagens.

Foi capaz de interromper o voo de um pássaro
botando ponto final na frase.

Foi capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela.

O menino fazia prodígios.
Até fez uma pedra dar flor!
A mãe reparava o menino com ternura.

A mãe falou:
Meu filho você vai ser poeta.
Você vai carregar água na peneira a vida toda.
Você vai encher os
vazios com as suas
peraltagens
e algumas pessoas
vão te amar por seus
despropósitos.


Manoel de Barros

ENTRE O CÉU E O MAR - Elba Ramalho -


Entre o Céu e o Mar

Quantos labirintos, tem meu coração
pra eu me perder, e te encontrar
quantas avenidas, tem o teu olhar
pra te seguir, e me guiar
meu coração me leva
perto demais do seu
meu coração nem sabe por que
o meu amor é bem maior que eu
quem sabe o destino, ainda vai juntar
o céu e o mar, eu e você
quem de nós um dia, iria imaginar
que o amor pudesse acontecer
seu coração é livre
tanto que prende o meu
seu coração nem sabe por que
o meu amor é tão igual ao seu.


Composição: Roger Henri

NA MAIS MEDONHA DAS TREVAS



Na mais medonha das trevas
Acabei de despertar
Soterrado sob um túmulo.
De nada chego a lembrar
Sinto meu corpo pesar
Como se fosse de chumbo.
Não posso me levantar
Debalde tentei clamar
Aos habitantes do mundo.
Tenho um minuto de vida
Em breve estará perdida
Quando eu quiser respirar.
Meu caixão me prende os braços.
Enorme, a tampa fechada
Roça-me quase a cabeça.
Se ao menos a escuridão
Não estivesse tão espessa!
Se eu conseguisse fincar
Os joelhos nessa tampa
E os sete palmos de terra
Do fundo à campa rasgar!
Se um som eu chegasse a ouvir
No oco deste caixão
Que não fosse esse soturno
Bater do meu coração!
Se eu conseguisse esticar
Os braços num repelão
Inda rasgassem-me a carne
Os ossos que restarão!
Se eu pudesse me virar
As omoplatas romper
Na fúria de uma evasão
Ou se eu pudesse sorrir
Ou de ódio me estrangular
E de outra morte morrer!
Mas só me resta esperar
Suster a respiração
Sentindo o sangue subir-me
Como a lava de um vulcão
Enquanto a terra me esmaga
O caixão me oprime os membros
A gravata me asfixia
E um lenço me cerra os dentes!
Não há como me mover
E este lenço desatar
Não há como desmanchar
O laço que os pés me prende!
Bate, bate, mão aflita
No fundo deste caixão
Marca a angústia dos segundos
Que sem ar se extinguirão!
Lutai, pés espavoridos
Presos num nó de cordão
Que acima, os homens passando
Não ouvem vossa aflição!
Raspa, cara enlouquecida
Contra a lenha da prisão
Pesando sobre teus olhos
Há sete palmos de chão!
Corre mente desvairada
Sem consolo e sem perdão
Que nem a prece te ocorre
À louca imaginação!
Busca o ar que se te finda
Na caverna do pulmão
O pouco que tens ainda
Te há de erguer na convulsão
Que romperá teu sepulcro
E os sete palmos de chão:
Não te restassem por cima
Setecentos de amplidão!

Drummond

TIRINHAS





sexta-feira, 6 de novembro de 2009

HOJE ESTOU TRISTE


Hoje estou triste

Amor... Hoje estou triste... Nesses dias
a vida de repente se reduz
a um punhado de inúteis fantasias...
... Sou uma procissão só de homens nus...

Olho as mãos, minhas pobres mãos vazias
sem esperas, sem dádivas, sem luz,
que hão semear vagas melancolias
que ninguém vai colher, mas que compus...

Amor, estou cansado, e amargo, e só...
Estou triste mais triste e pobre do que Jó,
- por que tentar um gesto? E para quê?

Dê-me, por Deus, um trago de esperança...
Fale-me, como se fala a uma criança
do amor, do mar, das aves... de você!

*JG de Araujo Jorge*

CARTOOM

Vidas Secas

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

TIRINHA

BASTARDOS INGLÓRIOS





Bastardos inglórios
O cineasta Quentin Tarantino é a bola da vez com os seus Bastardos Inglórios, um filme que a gente pode chamar de metalinguagem até a raiz, levando em conta as inúmeras citações aos clássicos e o agravante de boa parte da cena se passar em um cinema.
O filme é sanguinário em alguns momentos, já que Tarantino não economiza no vermelho, e é isento de qualquer apelo emocional. Não acredito que alguém tenha vertido uma lágrima se quer na sala escura. Mas a gente não se distrai nem um momento sequer,porque o filme é cinco estrelas.Acredito que deve marcar o retorno de Tarantino à cerimônia do Oscar quando março chegar.

EARTH SONG - MICHAEL JACKSON (CENSURADO NOS EUA)



EARTH SONG by MICHAEL JACKSON (CENSURADO NOS EUA)
O vídeo é do single de maior sucesso de Michael Jackson no Reino Unido, que não foi nem "Billie Jean", nem "Beat it", e sim a ecológica "Earth Song", de 1996.
A letra fala de desmatamento, sobrepesca e poluição, e, por um pequeno detalhe, talvez você nunca terá a oportunidade de assistir na televisão.
O Detalhe: "Earth Song" nunca foi lançada como single nos Estados Unidos, historicamente o maior poluidor do planeta. Por isso a maioria de nós nunca teve acesso ao clipe.
Ou seja, o que não passa nos EUA, não passa no resto do mundo. Só mostram o que lhes interessa, e só assistimos o que eles querem.

TUAS PALAVRAS, AMOR



Como são belas e misteriosas tuas palavras, Amor!
Eu não as tinha pressentido,
eu era como a terra sonolenta e exausta
sob a inclemência do céu carregado de nuvens,
quando, igual a uma chuva torrencial de verão,
tuas palavras caíram da altura em cheio
e se infiltraram nos meus tecidos.

O' a minha pletora de alegria!...
As árvores bracejaram recebendo as bátegas entre as ramas,
as corolas bailaram numa ostentação de taças repletas,
os frutos amadurecidos rolaram bêbedos no solo.
E eu vivi a minha hora máxima de lucidez e loucura
sob a chuva torrencial de verão!

Como são belas e misteriosas tuas palavras, Amor!...
Minha alma era um rochedo solitário no meio das ondas,
perdido de todas as cousas do mundo,
quando, ao passar dentro da noite na tua caravela fuga,
tu me enviaste a mensagem suprema da vida.
A tua saudação foi como um bando de alvoroçadas gaivotas
subindo pelas escarpas do rochedo, contornando-lhe as arestas,
aureolando-lhe os cumes.

E a minha alma esmoreceu ao luar dessa noite,
ilha branca da paz, num sonho acordado...

Amor, como são belas e misteriosas as tuas palavras!...


Henriqueta Lisboa

CARTOON

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

A PAZ ESPERE - Roupa Nova -

CLAUDE LÉVI-STRAUSS... SE VAI

Claude Lévi-Strauss (Bruxelas, 28 de novembro de 1908 — Paris, 30 de outubro de 2009) foi um antropólogo, professor e filósofo francês. É considerado fundador da antropologia estruturalista, em meados da década de 1950, e um dos grandes intelectuais do século XX.
Professor honorário do Collège de France, ali ocupou a cátedra de antropologia social de 1959 a 1982. Foi também membro da Academia Francesa - o primeiro a atingir os 100 anos de idade.
Desde seus primeiros trabalhos sobre os povos indígenas do Brasil, que estudou em campo, no período de 1935 a 1939, e a publicação de sua tese As estruturas elementares do parentesco, em 1949, publicou uma extensa obra, reconhecida internacionalmente.
Dedicou uma tetralogia, as Mitológicas, ao estudo dos mitos, mas publicou também obras que escapam do enquadramento estrito dos estudos acadêmicos - dentre as quais o famoso Tristes Trópicos, publicado em 1955, que o tornou conhecido e apreciado por um vasto círculo de leitores.

Wikipédia



Homens como ele não deveriam morrer nunca. Nem envelhecer. Fiquei triste quando vi Lévi-Strauss pela última vez na tevê, já com mais de cem anos, esquálido, com Parkinson, numa cadeira de rodas, se não me engano. Uma imagem deprimente que não lembra em nada aquele pesquisador vigoroso que se embrenhava florestas adentro para fazer suas pesquisas, que teve fôlego para escrever dezenas de obras-primas. E marcou seu nome, para sempre, na história do pensamento contemporâneo com suas pesquisas.
Lévi-Strauss era um mito para mim e para toda a minha geração. Com o tempo, foi se tornando cada vez mais pessimista com relação ao futuro da humanidade e alguém duvida que ele estivesse certo? Quem, em sã consciência, ousaria desafiá-lo? Nos últimos anos, quase não dava entrevistas, mas nas poucas que concedeu e que tomei conhecimento, não se cansava de falar da explosão demográfica e outras explosões.
Vindo de quem vinha, dá um medo enorme. Lévi-Strauss se foi...estava na hora. Cem anos está de bom tamanho, mas, repito, homens como ele, não deviam morrer nem envelhecer. Tudo que não sei dizer sobre ele mas gostaria de ter dito está em artigo assinado por Rafael Cariello na Folha de São Paulo.





“O sábio não é o homem que fornece as verdadeiras respostas; é quem faz as verdadeiras perguntas”.




“O dia em que se chegar a compreender a vida como uma função da matéria inerte será para descobrir que ela possui propriedades diferentes das que lhe atribuíam”.



O homem é uma espécie passageira que deixará apenas alguns traços de sua existência quando estiver extinta".




“Meu único desejo é um pouco mais de respeito para o mundo, que começou sem o ser humano e vai terminar sem ele”.



"Estamos num mundo ao qual já não pertenço. O que eu conheci, o que eu amei, tinha 1,5 bilhão de habitantes. O mundo atual tem 6 bilhões de humanos. Já não é o meu mundo".

LUZES - Paulo Leminsk



Luzes

Composição: Paulo Leminski


Acendo a lâmpada às seis horas da tarde
Acenda a luz dos lampiões
Inflame a chama dos salões
Fogos de línguas de dragões
Vagalumes
Numa nuvem de poeira de neon
Tudo claro
Tudo claro à noite, assim que é bom
A luz
Acesa na janela lá de casa
O fogo
O foco lá no beco e um farol
Essa noite
Essa noite vai ter sol
Essa noite
Essa noite vai ter sol

CARTOON


terça-feira, 3 de novembro de 2009

LIVROS - Caetano Veloso -






Livros
Tropeçavas nos astros desastrada
Quase não tínhamos livros em casa
E a cidade não tinha livraria
Mas os livros que em nossa vida entraram
São como a radiação de um corpo negro
Apontando pra a expansão do Universo
Porque a frase, o conceito, o enredo, o verso
(E, sem dúvida, sobretudo o verso)
É o que pode lançar mundos no mundo.

Tropeçavas nos astros desastrada
Sem saber que a ventura e a desventura
Dessa estrada que vai do nada ao nada
São livros e o luar contra a cultura.

Os livros são objetos transcendentes
Mas podemos amá-los do amor táctil
Que votamos aos maços de cigarro
Domá-los, cultivá-los em aquários,
Em estantes, gaiolas, em fogueiras
Ou lançá-los pra fora das janelas
(Talvez isso nos livre de lançarmo-nos)
Ou ¬ o que é muito pior ¬ por odiarmo-los
Podemos simplesmente escrever um:

Encher de vãs palavras muitas páginas
E de mais confusão as prateleiras.
Tropeçavas nos astros desastrada
Mas pra mim foste a estrela entre as estrelas.

Caetano Veloso

ALMADA NEGREIRO


Almada Negreiros
José Sobral de Almada Negreiros, escritor e artista plástico, nasceu na Ilha de São Tomé em 7 de Abril de 1893 e morreu em Lisboa em 15 de Junho de 1970.
Estudou com os Jesuítas no Colégio de Campolide e na Escola Nacional de Belas – Artes, em Lisboa.
Em 1911, escreveu a sua primeira peça de teatro. Expôs pela primeira vez em 1912, tendo posteriormente estudado Pintura em Paris.
Entre as suas obras plásticas avultam as pinturas murais das gares marítimas do porto de Lisboa (Alcântara e Rocha de Conde de Óbidos) e o retrato de Fernando Pessoa. A sua obra literária ficou quase sempre dispersa por revistas e jornais e, raras vezes, veio a lume após a sua criação.
Vulto cimeiro da vida cultural portuguesa, durante quase meio século, Almada Negreiros contribuiu, mais que ninguém, para a criação, prestígio e triunfo do modernismo artístico em Portugal.
"Almada Negreiros, poeta e pintor futurista, foi a personagem mais escandalosa do grupo Orpheu, nomeadamente pelo teor provocatório das suas conferências e pela sua postura física. Recitava versos e manifestos a correr por cima das mesas provocando, assim, o escândalo. Durante o Salazarismo, foi nos cafés do Chiado que as gerações do pós-guerra discutiram e se revoltaram pela liberdade que tardava.”
A arte de Almada está bem patente em todas as suas pinturas murais, no retrato extremamente expressivo de Fernando Pessoa e no seu auto-retrato ,onde os olhos ganham um relevo especial pela profundidade e quase um "espanto" da vida, uma vontade de a penetrar e de a subverter.
(Extraído de «O Grande Livro dos Portugueses»)










ODE A FERNANDO PESSOA
Tu que tiveste o sonho de ser a voz de Portugal
tu foste de verdade a voz de Portugal
e não foste tu!
Foste de verdade, não de feito, a voz de Portugal.
De verdade e de feito só não foste tu.
A Portugal, a voz vem-lhe sempre
depois da idade
e tu quiseste aceitar-lhe a voz com a idade
e aqui erraste tu,
não a tua voz de Portugal
não a idade que já era hoje.
Tu foste apenas o teu sonho de ser a voz
de Portugal
o teu sonho de ti
o teu sonho dos portugueses
só sonhado por ti.
Tu sonhaste a continuação do sonho português
somados todos os séculos de Portugal
somados todos os vários sonhos portugueses
tu sonhaste a decifração final
do sonho de Portugal
e a vida que desperta depois do sonho
a vida que o sonho predisse.
Tu tiveste o sonho de ser a voz de Portugal
tu foste de verdade a voz de Portugal
e não foste tu!
Tu ficaste para depois
e Portugal também.
Tu levaste empunhada no teu sonho
a bandeira de Portugal
vertical
sem perder pra nenhum lado
o que não é dado aos portugueses.
Ninguém viu em ti, Fernando,
senão a pessoa que leva uma bandeira
e sem a justificação de ter havido festa.
Nesta nossa querida terra onde ninguém
a ninguém admira
e todos a determinados idolatram.
Foi substituído Portugal pelo nacionalismo
que é a maneira de acabar com os partidos
e de ficar talvez partido de Portugal!
mas não ainda talvez Portugal!
Portugal fica para depois
e os portugueses também
como tu.

Almada Negreiros





Reconhecimento à loucura
Já alguém sentiu a loucura
vestir de repente o nosso corpo?
Já.
E tomar a forma dos objetos?
Sim.
E acender relâmpagos no pensamento?
Também.
E às vezes parecer ser o fim?
Exatamente.
Como o cavalo do soneto de Ângelo de Lima?
Tal e qual.
E depois mostrar-nos o que há de vir
muito melhor do que está?
E dar-nos a cheirar uma cor
que nos faz seguir viagem
sem paragem
nem resignação?
E sentirmo-nos empurrados pelos rins
na aula de descer abismos
e fazer dos abismos descidas de recreio
e covas de encher novidade?
E de uns fazer gigantes
e de outros alienados?
E fazer frente ao impossível
atrevidamente
e ganhar-lhe, e ganhar-lhe
a ponto do impossível ficar possível?
E quando tudo parece perfeito
poder-se ir ainda mais além?
E isto de desencantar vidas
aos que julgam que a vida é só uma?
E isto de haver sempre ainda mais uma maneira pra tudo?
Tu Só, loucura, és capaz de transformar
o mundo tantas vezes quantas sejam as necessárias para olhos individuais.
Só tu és capaz de fazer que tenham razão
tantas razões que hão de viver juntas.
Tudo, exceto tu, é rotina peganhenta.
Só tu tens asas para dar
a quem tas vier buscar.

Almada Negreiros

A CRIANÇA QUE RI NA RUA




A CRIANÇA que ri na rua,
A música que vem no acaso,
A tela absurda, a estátua nua,
A bondade que não tem prazo –

Tudo isso excede este rigor
Que o raciocínio dá a tudo,
E tem qualquer cousa de amor,
Ainda que o amor seja mudo.


Fernando Pessoa

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

NÃO CHOREIS NUNCA OS MORTOS ESQUECIDOS


Não choreis nunca os mortos esquecidos
Na funda escuridão das sepulturas.
Deixai crescer, à solta, as ervas duras
Sobre os seus corpos vãos adormecidos.

E, quando à tarde, o Sol, entre brasidos,
Agonizar… guardai, longe, as doçuras
Das vossas orações, calmas e puras,
Para os que vivem, nudos e vencidos.

Lembrai-vos dos aflitos, dos cativos,
Da multidão sem fim dos que são vivos,
Dos tristes que não podem esquecer.

E, ao meditar, então, na paz da Morte,
Vereis, talvez, como é suave a sorte
Daqueles que deixaram de sofrer.


Pedro Homem de Mello

OS QUE AMEI ONDE ESTÃO?



Os que amei, onde estão? Idos, dispersos,
arrastados no giro dos tufões,
Levados, como em sonho, entre visões,
Na fuga, no ruir dos universos...

E eu mesmo, com os pés também imersos
Na corrente e à mercê dos turbilhões,
Só vejo espuma lívida, em cachões,
E entre ela, aqui e ali, vultos submersos...

Mas se paro um momento, se consigo
Fechar os olhos, sinto-os a meu lado
De novo, esses que amei vivem comigo,

Vejo-os, ouço-os e ouvem-me também,
Juntos no antigo amor, no amor sagrado,
Na comunhão ideal do eterno Bem.

Antero de Quental, in "Sonetos"

THE BEATLES - Rain -






MONALISA - Jorge Vercílio -


Monalisa

É incrível
Nada desvia o destino
Hoje tudo faz sentido
E ainda há tanto a aprender
E a vida tão generosa comigo
Veio de amigo a amigo
Me apresentar a você

Paralisa com seu olhar
Monalisa
Seu quase rir ilumina
Tudo ao redor minha vida
Ai de mim, me conduza
Junto a você ou me usa
Pro seu prazer, me fascina
Deusa com ar de menina

Não se prenda
A sentimentos antigos
Tudo que se foi vivido
Me preparou pra você
Não se ofenda
Com meus amores de antes
Todos tornaram-se ponte
Pra que eu chegasse a você.


Jorge Vercílio






LE PETIT BONHOMME EN MOUSSE

domingo, 1 de novembro de 2009

INTERVALO


Intervalo

Quem te disse ao ouvido esse segredo
Que raras deusas têm escutado -
Aquele amor cheio de crença e medo
Que é verdadeiro só se é segredado?...
Quem te disse tão cedo?

Não fui eu, que te não ousei dizê-lo.
Não foi um outro, porque não sabia.
Mas quem roçou da testa teu cabelo
E te disse ao ouvido o que sentia?
Seria alguém, seria?

Ou foi só que o sonhaste e eu te o sonhei?
Foi só qualquer ciúme meu de ti
Que o supôs dito, porque o não direi,
Que o supôs feito, porque o só fingi
Em sonhos que nem sei?

Seja o que for, quem foi que levemente,
A teu ouvido vagamente atento,
Te falou desse amor em mim presente
Mas que não passa do meu pensamento
Que anseia e que não sente?

Foi um desejo que, sem corpo ou boca,
A teus ouvidos de eu sonhar-te disse
A frase eterna, imerecida e louca -
A que as deusas esperam da ledice
Com que o Olimpo se apouca.


Fernando Pessoa

JOÃO BOSCO - Enquanto Espero -