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quarta-feira, 10 de março de 2010

COMPROMISSO


Transportam meus ombros secular compromisso.
Vigílias do olhar não me pertencem;
trabalho dos meus braços
é sobrenatural obrigação.

Perguntam pelo mundo
olhos de antepassados;
querem, em mim, suas mãos
o inconseguido.
Ritmos de construção
enrijecem minha juventude,
e atrasam-me na morte.
Viver! - clamam os que se foram,
ou cedo ou irrealizados.
Vive por nós! - murmuram suplicantes.

Vivo por homens e mulheres
de outras idades, de outros lugares, com outras falas.

Por infantes e velhinhos trêmulos.
Gente do mar e da terra,
suada,salgada,hirsuta.
Gente da névoa, apenas murmurada.

E como se ali na parede
estivessem a rede e os remos,
o mapa,
e lá fora crescessem uva e trigo,
e à porta se chegasse uma ovelha.
que me estivesse ,mirando o luar,
e perguntando-se, também.

Esperai! Sossegai!

Esta sou eu - a inúmera.
Que tem de ser pagã como as árvores
e, como um druida, mística.
Com a vocação do mar, e com seus símbolos.
Com o entendimento tácito,
instintivo,
das raízes, das nuvens,
dos bichos e dos arroios caminheiros.

Andam arados,longe,em minh'a alma.

Andam os grandes navios obstinados.

Sou minha assembléia,
noite e dia, lucidamente.

Conduzo o meu povo
e a ele me entrego.
E assim nos correspondemos.

Faro do planeta e do firmamento,
bússola enamorada da eternidade,
um sentimento lancinante de horizontes,
um poder de abraçar, de envolver
as coisas sofredoras,
e levá-las nos ombros, como os anhos e as cruzes.

E somos um bando sonâmbulo
passeando com felicidade
por lugares sem sol e nem lua.


Cecília Meireles
In Mar Absoluto e Outros Poemas

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