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segunda-feira, 23 de agosto de 2010

22 Anos Sem Menotti del Picchia

Menotti del Picchia (São Paulo, 20 de março de 1892 — São Paulo, 23 de agosto de 1988) foi um poeta, jornalista, tabelião, advogado, político, romancista, cronista, pintor e ensaísta brasileiro.
Participante ativo da Semana de Arte Moderna de 1922. Viveu seus 96 anos intensamente.



HUMILDE SÚPLICA



Eu pederia,Senhor, um crepúsculo tranquilo.

Que delícia não ter mais nada que arrancar
à alma perder o tato para a carícia
e na boca neutra sentir inapetência
por todos os vinhos.

Eu já disse adeus a muitas coisas
mas de outras inda custa despedir-me.

Senhor, dai-me a ventura de ver descer a noite
sem me importar com as estrelas.

O tempo me dissolveu nas horas
e a treva e o silêncio já estão cheios de mim.

Nada me falta. Tenho tudo que já tive.

Deixai-me agora quieto
ouvindo com volúpia
um murcho cair de pétalas
de uma roseira que não dará mais rosas.


NIRVANA



Quisera ficar a teu lado
No grande êxtase pacífico
do nosso silêncio.
Continuar indefinidamente
o diálogo mudo dos nossos olhos.

Quisera
diluir-me em ti como um aroma no vento
como dois rios que fundem suas águas
no abraço do mesmo leito
e correm para o mesmo destino...

Somos duas árvores solitárias
que entrelaçam suas ramas:
à mesma brisa estremecem
florescem
envelhecem
e morrem...


QUE SABES DO FIM?



Goza a euforia do anjo perdido em ti.
Não indague se nossas estradas,
tempo e vento, desabam no abismo.
Que sabes tu do fim?
Se temes que teu mistério seja uma noite,
enche-o de estrelas...

No deslumbramento da ascensão,
se pressentires que amanhã estarás mudo,
esgota como um pássaro, as canções que tens na garganta.
Canta, canta...

Talvez as canções adormeçam as feras
que esperam devorar o pássaro.
Desde que nasceste não és mais que um vôo,
no tempo, rumo ao céu?
Que importa a rota!
Voa e canta enquanto resistirem as asas...


POESIA É OURO



Onde está a poesia?

Na imaginação do garimpeiro
ainda oculta na pepita lasca de luz na quina da pedra bruta.

Ouro é ouro
mineral na terra, puro. Fundido
não degradado no amálgama embora sofisticado
em molde e moda
no brinco barroco na cintilação do dente
no céu de esmalte de uma boca jovem
concha aberta num sorriso.

Poesia é ouro
carregada de história no cunho da moeda antiga
mística na âmbula, sagrada no romance
do anel nupcial amor alegria sofrimento vida.

Não importa forma ou fôrma não importa o lugar
não importa
se jovem é o ourives ou velho o garimpeiro.

O que vale é a incontaminada essência.


Menotti del Picchia

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