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terça-feira, 25 de maio de 2010

PÁSSARO NEGRO


Ei-lo ainda e sempre
..........uma outra vez
grande pássaro negro
.........................abate-se
surge a pairar com a sua sombra
................................imensa
......................que tudo impregna
...........que tudo envolve
......................que tudo cobre
.............tudo acolhe
sob o seu manto protector
feito de noite e de escuridão
uma angústia indefinível toma posse de mim
uma consciência aguda
....................violenta
..............dolorosa
da profunda solidão
que me rodeia
na qual estou imerso
.................embebido
............submerso
.................afogado
por mais voltas e voltas que dê
por mais gestos e movimentos que esboce
não consigo sacudir esta sombra descomunal
.................................este negrume
que se infiltra por todos os interstícios
da minha alma
as noites prolongam-se sobre as noites
todas elas imensas
.............infindáveis
a cama nunca me espera
nunca nada me espera
sou sempre eu a esperar
..a esperar por nãoseioquê
................pelo que não existe
pelo que não há
................pelo que não vem
por vezes a minha cama tem quatro rodas
move-se vertiginosamente pelo asfalto
outras vezes permanece imóvel
debaixo de um plátano
na lateral de uma qualquer rua deserta
ah... vontade imensa de sacudir esta pele
de me metamorfosear
num outro (qualquer) eu
....não importa qual
.....desde que outro
que angústia
se apossa de mim
.......se entranha
..........se insinua
consciência súbita
da quantidade de mar
que separa a minha árida
................pequena ilha
de todos esses imensos continentes
na direcção dos quais estendo avidamente
as mãos os braços
..........os lábios
..........todo o meu ser
sem que contudo almeje sequer
vislumbrar
.....alcançar
um (outro) árido pedaço
de uma qualquer (outra) realidade
com a qual me possa ao menos
sentir levemente solidário
........dou-me desesperadamente
dou-me furiosamente
........dou-me violentamente
a todos os dias estúpidos
...que se sucedem
.........que giram rodopiam
perante a minha alma assombrada
com a velocidade
........o ritmo frenético
..................estonteante desenfreado
com que se move o resto do mundo
...dói-me a realidade
...doem-me as ruas desertas
os letreiros de néon da cidade
.......dói-me a alma
......doo-me eu mesmo
ergo os olhos para o alto
.........se o meu destino é a cruz
.........porquê a angústia da via sacra?
dou-me incessantemente
........até ao limite até ao tutano
........até nada mais me restar
senão esta sombra
.....esta negritude por onde comecei
este devaneio
.......pássaro negro
pássaro triste
............pássaro louco
pássaro tonto
..............pássaro desvairado
que sucessivamente
persiste insiste
em voar teimosamente
................como uma seta
em estatelar-se
violenta e aparatosamente
contra estes muros
............imponentes
............altivos
............imóveis
............inexpugnáveis
..........de frio
................sólido
.........impiedoso
e implacável
...............granito...


Luis Beirão

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